Plano de saúde pode ser cancelado durante o tratamento de câncer de mama?

O cancelamento de planos de saúde durante o tratamento de câncer de mama é uma questão que frequentemente gera insegurança nos pacientes, especialmente diante da necessidade de cuidados contínuos e essenciais para a sobrevivência e a qualidade de vida. Este artigo aborda, de forma detalhada, os aspectos legais que envolvem essa situação, bem como analisando uma decisão recente que reafirma a proteção jurídica dos pacientes oncológicos.

Inicialmente, é fundamental ressaltar que o plano de saúde tem a obrigação de custear os serviços necessários para o tratamento de doenças como o câncer de mama. Isso inclui medicamentos, exames, procedimentos cirúrgicos, quimioterapia, radioterapia e outros tratamentos prescritos pelos médicos responsáveis. Esse dever decorre não apenas das cláusulas contratuais, mas também da legislação brasileira e das normas regulatórias impostas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A interrupção desse custeio, especialmente quando o tratamento é essencial à preservação da vida, configura uma violação grave dos direitos do consumidor.

Em muitos casos, operadoras de planos de saúde alegam cláusulas contratuais ou normas regulatórias para justificar o cancelamento unilateral de contratos, mesmo em situações críticas, como no meio de um tratamento oncológico. No entanto, a jurisprudência brasileira tem sido enfática ao considerar abusivas quaisquer cláusulas que impeçam ou limitem o acesso ao tratamento médico prescrito. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, já firmou entendimento no sentido de que, mesmo em caso de rescisão contratual, as operadoras devem assegurar a continuidade do tratamento até que o paciente receba alta, desde que os pagamentos das mensalidades sejam mantidos.

Uma decisão recente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) reforça esse entendimento. Em um caso envolvendo uma mulher diagnosticada com câncer de mama, o tribunal condenou as empresas Amil Assistência Médica Internacional S/A e Qualicorp Administradora de Benefícios S/A ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil. Além disso, determinou a manutenção do plano de saúde da paciente até o término de seu tratamento. Na ação, ficou comprovado que a autora foi comunicada sobre o cancelamento unilateral do contrato enquanto realizava o tratamento oncológico, o que causou um aumento significativo nos riscos à sua saúde.

Na tentativa de se eximirem da responsabilidade, as rés apresentaram argumentos distintos. A Qualicorp alegou que não era responsável pela rescisão do contrato, atribuindo a decisão exclusivamente à operadora do plano. Já a Amil defendeu que o cancelamento estava em conformidade com as cláusulas contratuais e que o prazo de notificação foi respeitado. No entanto, o tribunal considerou essas justificativas insuficientes. A desembargadora relatora do caso destacou que as empresas não observaram os requisitos legais para a rescisão contratual e que a interrupção irregular do plano de saúde violou os direitos de personalidade da autora, configurando falha na prestação do serviço.

De acordo com a legislação brasileira, os planos de saúde individuais ou familiares não podem ser rescindidos unilateralmente pela operadora, exceto em casos de fraude ou inadimplência. Essa proibição está prevista no artigo 13 da Lei nº 9.656/98, que protege os consumidores contra práticas abusivas e garante maior segurança jurídica aos beneficiários. No caso dos planos coletivos com mais de 30 beneficiários, a rescisão unilateral é permitida apenas se atender a três requisitos cumulativos: previsão expressa no contrato, vigência mínima de 12 meses e notificação prévia com antecedência de 60 dias. Ademais, a rescisão não pode ocorrer quando o beneficiário estiver em tratamento médico.

Os tratamentos oncológicos, como quimioterapia, radioterapia e cirurgias específicas, são considerados indispensáveis para a sobrevivência e a integridade física dos pacientes. A interrupção desses tratamentos pode representar uma ameaça direta à vida, motivo pelo qual a legislação e os tribunais têm adotado uma postura rigorosa contra práticas que prejudiquem pacientes em situação de vulnerabilidade.

Portanto, conclui-se que o plano de saúde, em regra, não pode ser cancelado durante o tratamento de câncer de mama. Em casos excepcionais envolvendo planos coletivos, o cancelamento só é permitido se forem observados os requisitos legais e desde que o beneficiário não esteja em meio a um tratamento médico. Quando há descumprimento dessas normas, o consumidor pode buscar a Justiça para exigir a manutenção do plano e a reparação por danos morais. A decisão recente do TJDFT serve como um importante precedente, reafirmando o direito à continuidade do tratamento oncológico e destacando a responsabilidade solidária das operadoras de saúde.

Se você é paciente oncológico e enfrenta dificuldades com o plano de saúde, é essencial buscar orientação jurídica especializada para garantir seus direitos. A saúde é um bem essencial, protegido pela Constituição Federal e pelas normas infraconstitucionais, e deve prevalecer sobre quaisquer cláusulas contratuais abusivas ou interesses econômicos das operadoras.

THAIZA FABIULA DE SOUZA ARAUJO MARCA.
Advogada. Especialista em Direito do Consumidor. Pós-graduada em Direito Civil,
Processo Civil, Imobiliário e Direito Público. Colunista Jurídica. Ajudando as
pessoas a entenderem seus direitos. Acompanhe o meu trabalho @thaizamarca e
@thaizamarca.advocacia

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